segunda-feira, 25 de abril de 2011

Porque escrever?



Porque escrever?
Porque a minha arte é da palavra, verbo vivo, coisas escritas para serem ditas.
Pelas coisas das quais vejo e muitos desviam o olhar.
Por dar ouvidos aos que não tem voz.
É que as frases ficam matutando aqui dentro, sabe?
Por que meu nariz sangra em dias quentes, minha cabeça dói por conta do barulho, e vomito nos dias de crueldade.
E os fatos teimam em me visitar após os acontecimentos nas madrugadas, nos dias de tédio e no horário de almoço.
É que falo demais! e há tanto pra ser dito:
Como as lembranças daquela vez em que passeava em círculos enquanto minha mãe alucinava ver Deus.
Contar a história da menina órfã que era devolvida como um brinquedo estragado após passar fim de semanas em casas estranhas.
Pra rir da ironia da vida, quando a pessoa que se oferece para segurar teu suco enquanto você pega o dinheiro pra pagar o ônibus não tem um dos braços.
Pra narrar um sonho juvenil de sábados encantados, acreditar no amor verdadeiro e todo este bláblá de sonhos.
Talvez porque não tenha autocrítica, talvez por inveja dos grandes poetas, ou por não ter um diário.
Por ter sido contaminada pelas aulas de filosofia e marxismo.
Escrever ajuda a respirar melhor, abre os poros, elimina as impurezas e preenche aquele vazio.
Porque eu fui alfabetizada e muitos não!

Barbara Teodosio

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Autores: Hilda Hilst

Tô Só

Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchendo a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Vamo brincá que a peste passô, que o HIV foi bombardeado com beagacês, e que tá todo mundo de novo namorando? Vamo brincá de morrê, porque a gente não morre mais e tamo sentindo saudade até de adoecê? E há escola e comida pra todos e há dentes na boca das gentes e dentes a mais, até nos pentes? E que os humanos não comem mais os animais, e há leões lambendo os pés dos bebês e leoas babás? E que a alma é de uma terceira matéria, uma quântica quimera, e alguém lá no céu descobriu que a gente não vai mais pro beleléu? E que não há mais carros, só asas e barcos, e que a poesia viceja e grassa como grama (como diz o abade), e é porreta ser poeta no Planeta? Vamo brincá
de teta
de azul
de berimbau
de doutora em letras?
E de luar? Que é aquilo de vestir um véu todo irisado e rodar, rodar...
Vamo brincá de pinel? Que é isso de ficá loco e cortá a garganta dos otro?
Vamo brincá de ninho? E de poesia de amor?
nave
ave
moinho
e tudo mais serei
para que seja leve
meu passo
em vosso caminho.
Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão de gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia, leitor. Tô brincando de ilha.

após assistir a peça "Hilda Hilst, o espirito da coisa" Samadhi Produções
Atriz maravilhosa, cenário incrível e texto feito a partir da vida e obra desta excelente poeta!!!

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Felicidade

   No fim da tarde, os últimos raios de sol clareavam as gotas da chuva que rabiscavam linhas coloridas no céu, e lá no alto ouvindo o claro som do nada, ela enchia os pulmões de nuvens doce. 

  Tinha asas nos pés e segurava balões coloridos, mastigava chicletes de beijos meigos, enquanto brincava de esconde-esconde com sonhos infantis.

 Sentia-se plena, simples e feliz.


Barbara Teodosio

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Fotos : Arvores Tortas de um fim de tarde... perdidos.






fotografo: Evans 
motorista: Eu

sábado, 16 de abril de 2011

Autores: Carlos Drumond de Andrade.

...Boa-Tarde (ensaio de bom-noite,variante de bom-dia,que tudo é o vasto dia em seus compartimentos nem sempre respiráveis e todos habitados enfim.)

A Flor e a Náusea

Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me'?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas,
alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas,
consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horasda tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.



sábado, 9 de abril de 2011

tempo de tragédia particular

Tirei férias de mim!
Assim que voltei... Sai.
Resolvi pedir demissão.
- Que tal um tempo a sós?
pelo tempo perdido na vida.
Tragédias sempre há, nós as intuímos em nossas visões.
Meses fora do ar.
“Lembranças pelos bons tempos.”
Há tragédias clássicas no jornal,
um dia será nossa vez
e não estaremos na página principal.
Estivemos fora de nós... Por tanto tempo...
Cuidado! O mundo continua igual,
as mesmas histórias,
as mesmas perseguições!
E aqui esta tudo diferente.
A vida anda bem, bem longe...
Passaremos os restos de nossos dias á nos distanciar.
Tragédias são minhas prediletas,
Nesta há um bom vilão, um casal puro, loucura e internação.
O tempo passa, o tempo pesa, o tempo leva.
São só pesadelos durante a noite,
É só a vida durante o dia...
Um dia a vida passa...

domingo, 3 de abril de 2011

Nas curvas da corcunda...

Talvez o peso da incompetência humana esteja em suas costas,
nesta suja carne calejada que se encurva ao ajoelhar-se ao chão.
Não há nada de santo nestes joelhos dobrados.
A dignidade escondida nas sacolas pretas em que caças a sobrevivência de um dia a mais,
não é bela,
nem exemplo.
Ao menos aos ladrões e assassinos resta o nobre ato da ira,
da revolta,
e da luta!
Isto também não é exemplar,
mas incomoda estes cristãos puros das missas aos domingos,
diferente de tu, sujo corcunda, que só limpa a miséria humana de seus restos supérfluos.
Tenho leve paixão pelas marginais ondas do rio querido Brecht!



Barbara Teodosio


"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem" de Bertolt Brecht